É de chorar
São Paulo é de chorar. De raiva, amigo. Esta mesma cidade que acolheu pai e mãe e fez seu filho brotar é a mesma que escanteia quem não tem. Não vou lembrar dos buracos e ruas de terra que passei na infância, porque aquela, sim, era uma metrópole menos amarga e mais dócil, a "que amanhece trabalhando", conforme a música brega grudada à sua imagem e semelhança. A cidade dos trabalhadores, o foco de resistência dos anos 70, a que gostava de ter sua imagem atrelada aos operários grevistas da década de 20, dos anarquistas, aos bairros operários de sul e leste. Mas é a mesma que não dá bola aos seus heróis, seja um anônimo ou o mártir Santos Dias.São Paulo, meu amigo, é nada que você queira se não é daqui. E se for, talvez o que mais queira é querer sair. Deixa essa cidade apodrecer, eu não tenho dó. Deixa que a sua elite _cada vez mais branca no sentido insípido e inodoro da coisa, cada vez mais moralmente anódina, cada vez mais parte de apartheid social_ apodreça com ela. São Paulo, meu caro, não é minha vida. São Paulo, meu caro, é a mesma que confina seus pobres mortos em cemitérios que mais parecem campos de concentração (já deu uma passada no São Luiz para ver como seus filhos são enterrados?), é a mesma que põe dois pesos e duas medidas àqueles nascem de um lado e aos que vivem do outro. Esta metrópole não é a mesma que floresce com a sua "riqueza" cultural, de mentiras clássicas que repetidas à exaustão parecem verdades. No fundo, talvez ela seja como o pastel de bacalhau do Mercadão: a fama não justifica a grandeza e o sabor nem sempre compatíveis.
PS: a vontade de escrever isso surgiu com o texto de Ferréz hoje na pág. 3 na Folha.