Sunday, January 27, 2008

Arquitetura da destruição

Resolvi percorrer os quarteirões da cracolândia, antes que seus prédios virassem pó. Trata-se de uma política social com mais cara de intervenção geográfica. Não digo que evitei ruas como a dos Gusmões e alamedas como a Nothmann por temer as hordas de sem vida que ali militam, mas também não me impressiono com um programa que prefere expulsar certas párias a tentar integrá-las. Novas cracolândias vão surgir, e fique claro que não digito aqui uma torcida, e sim uma constatação.
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Volta e meia uma criança aparece entre o entulho. Parece não ter rosto. Lembrei dos zumbis de "Extermínio", obra de Danny Boyle que mais fala de amor do que assusta. Ali, homens e mulheres com alma resistem aos bárbaros. Aqui, a alma carece a quem ainda não foi sodomizado pelo crack. Quem os controla, ou os deveria controlar.
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Dos antigos palacetes, em alguns restam apenas a fachada. O plano era demolir para construir. As placas de aluga-se sobre a porta de ferro, encobrindo nomes de palacetes com o nome das ruas escritos ainda em português arcaico, com cês precedendo outras consoantes e agás antecipando as vogais. Tudo vai virar lixo.

Friday, January 25, 2008

Devagar quase parando

Todas essas broncas ensimesmadas, tento me livrar delas enquanto caminho driblando o asfalto e mirando a guia, rente à calçada, desfeita, cruel, esburacada. O meu passo é mais curto que o de dez anos atrás. Tento esticar minhas pernas, mas elas já cansam à menor esticada. Todas miram o nada.

Olhar a cidade me acalma

Sunday, January 13, 2008

Acabou-se


O que era amargo e doce

Saturday, January 12, 2008

O fim, o fim e o recomeço

Segunda, janeiro, calor forte. Verão paulistano. O telefone tocou ao meio-dia. A Débora, recém-desempregada como eu, dizia que a segurança não a deixara retirar o que acumulara durante 20 anos de serviços prestados. A diretoria temia uma ameaça.
A coragem da sexta, tomada com a antecedência que os negócios exigem, estava agora sob o medo da reação não só dos funcionários como das dezenas que ali trabalharam por acreditar, sim, mais até do que os vencimentos suficientes para pagar pensão de filhos, remédios da mãe, tratamentos que a rotina de estafa de um jornal exigiam.
A sexta havia sido de revolta mais do que tristeza. As lágrimas corriam pelo quinto andar. O André, um dos mais exaltados, se apressou em deixar em um arquivo de texto sua revolta. Assim como eu, ele aprendeu a ler e gostar de jornal com aquele defunto.
Aquele clima era um contraste e tanto para a animação da chegada. Lá pelas 14h do dia 20 um recado deixado na minha mesa avisada que Luciana, do Rio, pedira para ligar. Ao retornar, ouvi de um carioca desaforado que a Lulu não estava. Desliguei e percebi que outros riam de minha reação. Era uma gravação. Nos 120 metros quadrados de redação divididos por seis bancadas a receita era ter bom humor e torcer para um caso bizarro cair no teu colo.
Àquela hora os repórteres já tinham os relatos prontos. Um dia antes os chefes haviam exigido pressa na conclusão daquela edição. Com pelo menos duas horas de antecedência, cumprimos o pedido. A espera pelo ok de as 12 páginas seguirem para a gráfica durou 100 minutos. Até que um anúncio de adeus apareceu na primeira página.
O que seria um caderno de ofertas de uma rede de eletroeletrônicos, na verdade, era um convite para os cerca de 22 mil leitores embarcarem em um outro periódico, com mais páginas _a maior parte colorida_ e um preço menor, à medida em que a sisudez também crescia e o senso de humor (ou melhor, o bom humor) jazia.
Seguiram-se colegas atirando para o chão a edição de apresentação encartada. Minutos depois, aquela afronta exibia rugas (de quem os amassou) e solas (de quem o pisou). A viagem para o Rio, marcada para o dia seguinte, caiu. Neil Young eu veria só pela TV. A Júlia, meu caso da época, não entendia no telefone o que tinha acontecido.
Quatro dias depois eu já cumpria expediente nessa cria rejeitada. Não resisti à proposta de ser agregado a uma equipe de cobertura cotidiana enxuta e sem norte. Àquele tempo a edição era comandada por um homem de estatura mediana e cabelos longos e grisalhos. Seu semblante admitia o erro de ter aceitado a missão de cuidar daquelas quatro páginas diárias (espichadas para cinco aos domingos e segundas). Seu trabalho era encaminhar para aquele garoto de 24 anos a missão de cuidar de duas das páginas diárias, as do noticiário policial. Elogios efêmeros sustentavam a falta de uma equipe coesa, com tesão. A passionalidade fora enterrada no janeiro anterior.
Bombas e rebeliões explodiram no mês seguinte e apressaram a decisão de embarcar em um vôo para o Velho Continente. Um ano depois, desenganado da vida, resolvi voltar.
E a história pode ser resumida assim: fui saído, voltei, saí, voltei e agora, seis anos depois de pisar pela primeira vez naqueles 300 metros quadrados travestidos de calabouço, sem janelas nem esperanças de dias melhores, resolvo sair para nunca mais.
A analista vai ter que esperar, as contas lá de casa também. Mas, há de mister, eu preciso retomar a vida, sem anestesias gerais ou localizadas. De um lar de janelas abertas e ar mais respirável que possa oferecer a paixão que perdi naquele 2001.