Pôxa, bicho
"Pôxa bicho, que história triste... Triste e bonita." A frase é do Roberto, analisando a vida de Paulo César Araújo, autor de "Roberto Carlos em Detalhes", mas poderia ser a sua, ao final das centenas de páginas do livro. O Roberto, aquele cara que cantou minha infância e voltou soberbo na minha fase adulta, é o homem dos olhos tristes, tristes como os da minha tia Ignês.Na minha vida, posso dizer que falei com duas pessoas que fazem parte dela tanto quanto são parte dela, bicho: o Rei e o Lula, o nosso rei. Só por ter feito isso, antes dos 30, poderia ter feito o tempo parar e dizer "valeu, bicho".
Pára o tempo: outubro de 1999, interior da catedral de Nossa Senhora Aparecida. Roberto cantava pela vida da mulher, Maria Rita, o único amor de verdade, aquele que o faz parar cada entrevista e pensar e olhar mais triste. Foi meu primeiro encontro com o Rei, algumas semanas depois de meu coração ter ficado vazio e ferido, com marcas que o tempo demoraria a curar.
Dois meses depois, estava sentado em uma sala na zona sul de São Paulo. Em frente à minha cadeira, Luiz Inácio _quando criança, achava esse Inácio engraçado, porque era assim que minha tia Ignês havia ensinado minha prima a se defender das convulsões; minha prima morreu em abril, no take mais triste deste ano.
Fui tratado por Lula como um parceiro, um chapa. A conversa fluia porque Lula sabe conversar: tem falando o dom que o Rei tem cantando.
De novo peço que o tempo pare. Sobre a minha mesa, dois livros: o de Paulo César e outro, de Mario Morel, editado em 1981, sobre os primeiro passos de um líder sindical.
Está lá: ele é um líder nato, daqueles que não tem do que temer; dá respostas prontas, de sabedoria como mais enxergamos e de outra, que disfarçamos para não perceber _a sabedoria da vida e, bem bicho, essa ele tem muito.
Nessa hora, a história dos dois e a minha se encontram de novo, da mesma forma que se encontraram em 99. Posso voltar no tempo e lembrar das canções de Roberto executadas com um cabo de vassoura na mão, como microfone, no início dos 80; ou no final daquela década, pé firme no asfalto, marchando a Brigadeiro Luís Antonio de ponta a ponta para fazer um pouco de força e torcer para que nosso presidente tivesse barba e coração, como agora.
Não perdi as ilusões, como a maioria cisma de dizer agora. Os dois continuam aí, com a mesma verve com as palavras cantadas ou discursadas. Duas vidas tristes até, mas bonitas.
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