Tuesday, November 07, 2006

O caminho do trovão

Vou por onde o Bruce me ensina. Está lá, na segunda faixa, ele cansado das pequenezas da vida e de sua cidade, ele precisa ver mais as luzes porque os outros empalidecem o brilho do sol _a estrada, dali para a frente, pode ser pequena para ele, mas é a única esperança que avista.
Bruce nasceu para correr, já delata o nome do disco. Ultrapassa um pouco mais que a metade da quinta década de vida, mas corre, corre, corre. Ele é de Freehold, Nova Jersey, um trocadilho para quem iria escrever e cantar e tocar o disco da minha vida. "Liberdade presa", diria? Ou meu inglês macarrônico precisa de mais aulas para soltar traduções mais próximas da vida?
O que importa é que Freehold é repleta de pequenezas tão grandes quanto as de São Paulo. O boçal do interior norte-americano em nada deve para o classe média decadente que toma seu café no sábado à tarde numa padaria da Brigadeiro Luis Antonio enquanto agride o serviçal, o dono do café, aquele que o serve e pede muito mais que um insulto por viver à sua frente.
São Paulo, como a Freehold que Springsteen pede para se libertar em "Thunder Road", é repleta de miudezas que a fazem tão ambigüa como pegar qualquer estrada e atravessar os EUA de leste a oeste, como em "Transamérica". Mas o pensamento arcaico, conservador, não é maior à medida em que segue rumo a lugares distantes e sem tanta informação. Ao contrário dos EUA, absorver o centro toma para si aquela mesquinharia pagã dos que se acham maiores que outros por tomarem avião, e não ônibus, carros, e não trens. O paulistano é boçal à medida que cresce.
Então, faço minhas as palavras de Bruce, e vejo que São Paulo é a minha Freehold ao abrir o jornal e ver absurdos escritos na página 2, aquela da opinião, aquela que não é a minha opinião.
E a São Paulo boçal forma o entrevistado do Jô Soares e seus espectadores. E foi São Paulo quem deu asas para esse gordo ignorante e mal-informado, que vomita ego à cada noite, madrugada.
São Paulo tem 10 milhões de habitantes, 1.500 km quadrados de extensão, mas é tão pequena quanto Freehold. Olho pela janela e vejo cidades se organizando, no sentido político da palavra. Aqui, não. Aqui, a pequenez faz cada um pensar em seu universo particular, na saúde particular, na educação particular, no transporte particular. Talvez em Freehold as coisas avancem.

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